O que é a Praxe Académica? Uma Tradição Milenar com Futuro em Portugal
- kassaportugal
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Praxe em Portugal

A praxe académica é uma das tradições mais marcantes do ensino superior em Portugal, uma herança cultural que atravessa séculos e continua a moldar a vida universitária de milhares de estudantes. Mais do que um conjunto de rituais, a praxe representa um processo de integração, identidade e pertença, profundamente enraizado na história do país.
A sua origem remonta ao século XVI, na Universidade de Coimbra, fundada em 1290 por D. Dinis, sendo uma das mais antigas instituições de ensino superior da Europa. Naquele tempo, a praxe surgia como uma forma de acolhimento dos novos estudantes, os chamados caloiros, facilitando a sua adaptação ao meio académico. O termo “praxe” deriva do grego praxis, que significa “ação” ou “prática”, refletindo a natureza vivencial desta tradição: um conjunto de costumes, normas e rituais que ensinavam aos mais novos as regras não escritas da vida universitária, promovendo o respeito, a solidariedade e o espírito de comunidade.
Com o passar dos séculos, a praxe foi-se transformando, espalhando-se por outras cidades universitárias e adaptando-se a novos contextos sociais. Hoje, é uma realidade presente em várias instituições de ensino superior espalhadas pelo país, nomeadamente em Coimbra, Porto, Lisboa, Braga, Covilhã e Évora. Cada universidade desenvolveu a sua própria identidade praxista, mas algumas características permanecem comuns e profundamente simbólicas.
Entre os elementos mais emblemáticos está a capa e batina, o traje académico negro que, desde o século XIX, se tornou um símbolo de igualdade entre os estudantes, independentemente da sua origem social. Associado a este traje estão momentos solenes e festivos, como as serenatas, em que o fado de Coimbra ecoa pelas ruas, carregado de emoção, saudade e orgulho académico. Os cortejos académicos são outra expressão viva da praxe, desfiles coloridos e animados que invadem as cidades com música, dança e espírito de equipa. E, no ponto alto do ano letivo, realiza-se a Queima das Fitas, uma das maiores festas estudantis da Europa, que celebra o final do percurso universitário com emoção, nostalgia e sentido de pertença.
Apesar de ter raízes históricas profundas, a praxe académica é, hoje, uma prática regulamentada e sujeita a princípios éticos claros. A Lei da Praxe Académica (Lei n.º 3/2008) estabelece que todas as atividades devem ser voluntárias, respeitadoras e isentas de qualquer forma de coação, humilhação ou violência. Esta legislação reflete uma evolução importante: a consciencialização de que a integração não pode passar por práticas abusivas, e que o verdadeiro espírito da praxe deve assentar no acolhimento, no respeito mútuo e na inclusão.
É precisamente neste ponto que reside o maior desafio contemporâneo da praxe. Enquanto muitos estudantes vivem esta experiência como uma oportunidade única para criar laços, descobrir a história da sua instituição e integrar-se rapidamente na comunidade académica, outros sentem-se desconfortáveis com determinados rituais ou pressionados a participar. Além disso, os estudantes internacionais, apesar de serem frequentemente bem acolhidos, podem ter dificuldade em compreender plenamente o significado cultural destas práticas.
Por isso, o debate em torno da praxe mantém-se atual. A sua relevância não está em causa, continua a ser uma das tradições mais visíveis e identitárias do ensino superior português, mas sim a forma como é vivida. Uma praxe moderna, sustentável e inclusiva deve ser capaz de honrar o passado sem perpetuar desigualdades, celebrar a diversidade e garantir que a participação é sempre uma escolha livre e informada.
Hoje, a praxe é mais do que uma tradição. É um espelho da sociedade portuguesa: em constante evolução, a negociar entre a memória e a modernidade, entre a identidade colectiva e a liberdade individual. Para muitos, é uma experiência inesquecível, que marca para sempre a passagem pela universidade. Para outros, pode não fazer sentido, e isso também deve ser respeitado.
No fundo, o verdadeiro valor da praxe não está nos rituais em si, mas sim naquilo que eles representam: comunidade, pertença e transmissão de valores. Quando vivida com consciência, respeito e empatia, a praxe continua a ser, sem dúvida, uma das expressões mais autênticas da vida académica em Portugal.
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